Camarão: absolvido ou condenado?

Lembro que quando era bem jovem costumava ir à praia com meu avô, bem cedo, para buscar o camarão que era vendido pelos pescadores. Eu adoro camarões, e sempre me pareceu maluquice ouvir que aqueles camarões enormes, ali à venda, eram um estorvo para os pescadores. Algo que dava trabalho separar dos bons peixes. Por mim, podiam ficar com todos os peixes que eu não me importaria, desde que me sobrassem os camarões.  

Alguns anos se passaram e minha definição de jantar sofisticado se tornou um prato de linguini com camarões e um toque de limão siciliano. Com salsinha, azeite, e um copo de vinho branco gelado. Nada mais sublime! 

Mas aí vieram as notícias de que camarões eram transmissores de doenças graves, como hepatites e outras…Que camarões cresciam em esgotos à beira-mar, em praias que já não comportavam banhos ou pisadas na areia, quanto mais o crescimento de algo que se destinava a ser uma refeição.  

Assim, muito a contragosto, deixei de lado a minha paixão e fui me acomodando a outros sabores… 

Saúde, sempre em primeiro plano de atenção. Mas eis que descubro, no final dos anos 80, os primeiros restaurantes japoneses em São Paulo, fora do bairro da Liberdade. Havia o início da onda de sushis que tornou esta cidade o lugar em que mais há restaurantes japoneses no mundo, fora do Japão. Sobre a minha felicidade ao ver aqueles enormes camarões moldando artesanalmente o bocado de arroz, com toda a arte possível na montagem de um sushi, pairava uma sombra de dúvida. E como ficavam as transmissões de doenças? Nenhuma resposta muito convincente, e a internet não era nem sonhada como fonte de saber. Restava o receio e a auto-reprimenda de não poder como médica saborear algo tido como de salubridade duvidosa… 

Mas o tempo voou e quando tive notícia, já haviam contornado as dificuldades sanitárias e haveria camarão para todos os supermercados e restaurantes, japoneses ou não, de todo o planeta, pois agora se criavam camarões em lagoas, sob supervisão direta de controladores sanitários. Novamente a alegria e a alforria…Devo ter comido a produção de uma fazenda inteira de camarões em uns dois anos de liberdade! Nunca fui muito entusiasta do consumo de carnes, mas os frutos-do-mar, especialmente com massas, sempre foram a minha primeira opção em qualquer cardápio. Seria então feliz para sempre! Mas sempre é muito tempo, e nova onda de descobertas mostraram os níveis de colesterol e sódio altos existentes no camarão.  

Doenças cardiovasculares são a primeira causa de mortes e incapacidades definitivas no mundo e estão diretamente ligadas aos níveis sanguíneos de colesterol. Então pensei: já tive o tempo de me esbaldar respaldada pela ignorância, vamos agora à letra fria da ciência e dos fatos. Nada mais de camarão… 

Nova onda dietética, idolatrando proteínas com baixo teor de gorduras, trouxe os camarões de volta ao centro das opções de melhor impacto nutricional. Além disso, a quantidade de nutrientes minerais e vitaminas proporcionada pela ingesta de camarão e sua salvaguarda da contaminação de mercúrio dos oceanos, tornava-o indicado até mesmo para crianças e gestantes. Nada parecia mais seguro e saudável, desde que não houvesse consumo excessivo.   

Então vieram as questões ecológicas, do manejo industrial a limites extremos, que poluem águas, adicionam antibióticos aos criadouros e trazem mais problemas do que prazer a quem se farta dessa oferta desmedida. Estando agora nessa semi-reclusão forçada, achei que seria um bom tempo para pesquisa e ponderação sobre essa gangorra infindável de dados contra e a favor do consumo de camarões. Afinal, nunca foi mais urgente ser adepto de práticas saudáveis. Mas primeiro precisamos descobrir quais são elas… 

Talvez este texto com ares de crônica pareça desconectado da ciência, mas acredite que a seguir você terá uma visão muito mais simples do que ponderar por ter recebido esse panorama preliminar das questões envolvendo essa singela fonte de nutrientesAqui não cabe uma resposta única, e você merece ter acesso a toda informação para decidir como será sua medida de consumo de camarões. Conto a minha no final.  

Esse panorama só se aplica a camarões. Outros frutos do mar e peixes têm suas questões próprias e precisam de novas análises. 

Agora, o estágio atual da verdade, que em ciência sempre carrega a pecha de transitória, até que novas descobertas possam reforçar ou contradizer julgamentos. Então deixo para você os fatos, que pouparão muita pesquisa posterior sobre esses pequenos seres marinhos.   

 

Pontos positivos: 

– Altamente proteicos – 24g de proteína a cada 100 g de peso.  

– Menos de um grama (0,2g) de carboidratos. 

– Menos de um grama (0,3g) de gorduras, que são na sua maior parte gorduras boas – mono e poliinsaturadas, especialmente ômega 3.  

– Rico em minerais importantes como zinco, potássio, selênio, fósforo, magnésio, iodo e cálcio, minerais necessários à redução de danos de inflamação, saúde dos ossos e melhora do sistema imunológico, envolvidos diretamente na recuperação de artérias e da qualidade da pele 

– Boa fonte de vitamina B12, vitamina D e E. 

– A carapaça envoltória dos camarões é feita de quitosana, substância que forma um gel solúvel no intestino delgado, alterando a absorção do colesterol e da glicose, aumentando a saciedade e ajudando no controle glicêmico.  

– Boa fonte de glicosamina, substância que reduz a velocidade de desgaste das cartilagens articulares, melhorando dores e qualidade de vida de portadores de artrose e ajudando a recuperar lesões. 

– Pela sua característica de habitat e cultivo é muito pouco contaminado pelo mercúrio dos oceanos.  

 

Escore nutricional – Baixa quantidade calórica, com muita proteína e baixo teor de gorduras, quase toda de gorduras boas. Boa fonte de minerais e vitaminas importantes. Mínima contaminação por mercúrio. Para obter benefícios maiores deve ser consumido preparado apenas no vapor ou na grelha, limpos em sua porção posterior central e com a casca, caso se deseje diminuir a absorção do colesterol e de glicose. Não se deve acrescentar nenhum sal ao preparo.  

 

 
Pontos negativos:  

– Teor de colesterol no limite máximo do permitido ao dia: 189mg a cada 100 g de peso 

– Teor de sódio alto: 111 mg de sódio a cada 100 g de peso. 

– Os camarões provindos de criadouros artificiais recebem a contaminação de antibióticos que são adicionados indiscriminadamente à água.  

– O manejo em escala industrial é muito lesivo ao meio ambiente produzindo graves danos à flora e fauna marinhas vizinhas, e polui águas com antissépticos e antibióticos.  

– A carapaça dos camarões se impregna de cádmio, que quando consumido em excesso pode ser tóxico. 

– É, entre os produtos marinhos, o que mais causa reações alérgicas.  

 

Minha ponderação final:  

– Pode e deve ser consumido como fonte de nutricional de qualidade para todos que desejarem manejo de doenças crônicas que envolvam também necessidade de perda de peso.  

– Para aqueles que mantém uma boa restrição de outras fontes proteicas animais, com restrição de ovos e laticínios, a frequência de consumo pode ser de uma ou duas vezes por semana. Ainda assim, não fazer o consumo excessivo, mantendo uma porção máxima de 100 g por vez 

– Muita atenção ao tipo de preparo, que não deve ser adicionado de mais gorduras ou sal e muito menos em frituras que alteram as propriedades nutricionais além de acrescentarem gorduras de baixa qualidade, distorcendo toda a composição nutricional.  

– Deve ter seu consumo limitado para hipertensos e hipercolesterolêmicos.  

 Com esse panorama espero que você possa ter todos os dados para poder tomar uma decisão sobre o consumo de camarões que seja boa para você.  

A minha decisão: como camarões no vapor umas duas vezes por ano, talvez três… e sempre, sempre oriundos de pescaria e nunca de fazendas de cultivo. Com um delicioso linguini e um bom vinho, claro! Saúde!